sábado, 21 de julho de 2012


A tempestade se aproxima e nela, o torpor da nuvem negra que nos embala, cegos. Não dá pra saber o quanto ela vai durar e nessa impermanência, engulo os gritos de socorro. Faço parte dessa massa de vento que me embola agora.  Que me leva agora.
Como tudo passa muito veloz, vejo a rua - feito riscos rápidos em traços de grafite transparente. Sei que meu rosto se contorce numa tentativa de vencer o tempo. Com esforço e passos lentos, se arrastam no chão pesado, um corpo.
Vejo de fora - no que parece uma janela, o corpo que está dentro -  e de dentro, nada vejo fora. Como se dividido o espaço e a paisagem que não muda a olhos vistos porque é torpor e agonia. Como se estivéssemos cindidos eu e eu.
O calor não pode ser aplacado pela fúria do vento, que é tanto quanto quente e sôfrego, até que desmaio.

Silêncio
Acordo, rouco.

Tudo parece um sonho descabido. Estou sentado agora numa varanda, apoiado no umbral diante do jardim. Nada mais é seco e árido, além de mim.
Levanto-me em direção às flores, algumas delas doces, outras acres – me salivam. Tenho vontade de comer flores, tenho vontade de pisar na grama e me sentir livre.

Piso.

A imagem daquela mulher. Aquela mulher que me disse coisas. Não se pode dizer coisas que não devam ser ditas. Quanta verdade escondida desvelada agora. Eu e você – nua - sentada com dentes brancos emoldurados por carmim perverso. Você me cuspiu palavras frias, mas não se importou com elas. É preciso que me liberte o caminho, mas você se dissipa.

- Homem frouxo. Ria.
- Um homem não pode ser frouxo - era o que meu pai dizia.

Coisas que se contradizem na mesma intensidade me confundem. Duas partes que devoto. Partes antagônicas do meu ser se digladiam. Mas a angústia é o que me faz vencer o medo.
Aquela mulher, que me fez jurar vencer o medo. Aquela mulher, de quem eu dizia - nunca me disse amor.

Adormeço.

Cavo a terra molhada e espalho sementes amarelas e rugosas. Espero o tempo da colheita e as rego. No jardim com flores fartas, me ocupo das minhas próprias flores. Paro e espero. Temo o vento e o desespero, mas não posso me antecipar a elas. Esqueço até que ganhem vida própria. Até que não sejam mais minhas ou não as reconheça.

Tenho minhas manias.

Todos os dias escrevo poesia. Escrevo e rasgo o papel em mil pedacinhos. É preciso garantir que ninguém as leia. Enquanto rasgo, leio. Até que fica impossível saber o que estava escrito e eu me lembro de apenas algumas palavras, embora não perca o sentido. Elas me escapam e eu deixo. Preciso que minhas palavras sejam elas mesmas. Quando escrevo, determino nesse encontro possibilidades de leitura, mas não creio tanto que sejam infinitas. A linguagem que guarda o outro, também me ilustra - e não espero ganhar uma caricatura. Talvez ousasse deixar explícita, a formar muitas figuras que são as partes que me arranjam, alinhadas ou não. Uma só não daria conta de me revelar à altura.

Passei a plantar meus poemas, em pedaços também, como sementes. A ideia de minhas palavras se tornarem orgânicas me faz pensar que elas possam se tornar flores, que elas possam ganhar cores e nomes - que não o meu.

Escolho aleatoriamente espaços e cavo buracos, sem sinalizar. Planto minhas palavras secretas num jardim, para que elas possam nascer libertas.

Atravesso.

A rua que se avizinha é quase um desenho de uma rua com casinhas. Daqueles desenhos tolos e juvenis quando se quer mostrar simplesmente uma rua. Não conheço seus moradores. Eles vivem em suas casas e às vezes aparecem na janela, mas nunca me disseram bom dia. Poucas casas têm jardim e no lugar, muitos carros enfeitados. As pessoas saem de casa e entram nos carros e saem dos carros para os lugares e de novo pra casa. Não preciso de muito esforço pra saber  - senão a ausência. Não sei se tem crianças ou se são felizes. Penso que posso julgá-los e se o faço, os torno mais próximos de mim. E,  se são parte de minha imaginação, passamos a co-existir.

Teve uma criança.

Ela entrou no meu jardim. Ela queria uma flor. Eu fingi que não vi. Olhei da janela, de poucos metros, uma menina encantada com uma delas. Não era das mais bonitas e até mesmo, parecia uma flor poesia, roxa, daquelas que plantei um dia. Ela cheirou algumas, menos essa. Arrancou com cuidado e resoluta, como se dela o cheiro não importasse. Arrancou uma flor e colocou na cabeça, presa num grampo tosco que lhe guardava os cabelos claros, atrás das orelhas, mais propriamente da esquerda. Ela ficou mais bonita.

Continuo regar o meu jardim, sem esperar que ela volte.  Continuo a plantar palavras, pra colher flores poesia.

Chove.

Tenho dificuldades em ficar dentro de casa. Minha cama é uma pouco velha e range. Isso fica pior quando não consigo dormir. O ruído de uma casa solitária é ensurdecedor, tanto quanto universos super povoados.  Nada pior que a indiferença, nada pior que despersonalismo. Uma vida só é a mesma quando junta. O que dá liga é altero. Melhor que seja um conjunto, um duo. Mas, antes altero para que se compreendam.

Minha casa tem goteiras e quando chove, só quando chove, me lembro que devo consertar. É quando estou exposto que percebo os buracos e eles se tornam maiores e preciso de mais cuidados. Penso que é preciso estancar quando ainda está seco - ou se torna hemorragia. É preciso cuidar dos espaços vazios. Pra que sejam vazios ou estanques. Tenho que cuidar da minha casa, que é também meu abrigo.

Anoitece.

Estou novamente sentado na soleira e observo. Nesse momento, todos parecem surgir do nada. Estão apressados. Percebo que em pouco se diferem. Não saberia mesmo dizer quem é homem ou mulher e o que vestem. Eles se amontoam, rápidos, amorfos.
Penso que não são pessoas de verdade, ou não poderiam ser. Não se expressam particularmente. Como poderia diferenciá-los um dos outros - tão iguais.

Grito: Ei, vocês.

Pouca coisa muda. Eles param todos juntos, olham juntos, olhares iguais. Nada dizem e seguem.

A criança ressurge com a flor, dessa vez na mão. Rompe a massa e diz:
- Você está me chamando? Responde ao grito.

Eu digo que não sei.

Ela senta ao meu lado, me devolve a flor e diz: Leia. Essa é das suas.

Não vejo mais a criança. Vejo um homem, sentado, com uma flor na mão e adormeço.  


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

madrugada afora
fora o fato
silencio
há no mundo que mora
a boca que cala o medo
contra a solidão o segredo
e se há no desejo o meio
de alojar-se fora
do tempo previsto
da história que rola
em cascastas e dobras
observa
o mundo não é cor de rosa

sábado, 8 de outubro de 2011

deixe passar a ingratidão
ela mora na casa do medo
reside sozinha
vizinha a escuridão
ela e meia dúzia de cães chucros
que desfilam impafiosos ao meio dia

deixe passar a ignorância
ela não sabe por onde anda
mesmo que tenha certezas mas não as garanta

não ignore o erro
não será possível ver diretamente quem os acompanha
mas se seguir seus movimentos
pode ser que os passos revelem
debaixo do manto
cambaleantes
aqueles que o sustenta
podem ser numerosos e irreconhecíveis
porque andam em blocos
em máscaras que os cobrem invisíveis

não ignore o erro
nele está o acerto
nele está a resposta
que tanto procura
nos mudos ingratos
e também a certeza dos ignorantes


mas sobretudo
nunca substime o sonho
que normalmente anda sozinho
parece frágil e arredio
bradando em praças
ou tímido falando aos ouvidos
palavras incompreensíveis
reconheça o sonho
na rua
nas esquinas da sua própria vida
ele quer companhia
mas não oferece garantias
carrega com afinco
uma imagem que figura paisagem
feita de um risco quase ilegível
é preciso ler nas entrelinhas
o sonho insone pode ser visto todos os dias
nisso ele se diferencia
ao contrário da ignorância
é amigo do erro
não anda em matilhas
não se avizinha do medo
e não segue a esmo
um caminho vazio

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

tenho um par de pedras castanhas
como algo que me sustenta
não posso ficar refém delas
nem suspendê-las em definitivo

tenho um par de castanholas
que mexem elegantes
direcionadas ao meu corpo que se mexe
não sei exatamente o que me dizem
dançam sob o foco de suas matizes
brilhantes

Danço castanholas
como uma cigana
que vai ao encontro
do que a convida

a vida
é mais que música e dança
tem ainda sapatilhas
plátanos
soam odor madeira seca no caminho madrugada fresca
como pontas dos pinhos arvoredos
soam novidades
lua cheia sobre o rio pleno
soa saudade
não posso aportá-los - todos
prendo - compreendo inteiros pelas ruas que passo
ruas jardins
ruas espaços vazios
ruas cafés
ruas silêncio
ruas barulho de gente
cada lugar tem o seu sentido
alguns olfato
outros oLvido
amo cada chão que piso
e se o tempo é relativo
despertar física poesia
é voar sem asas
cheirar flores sem pétalas
e navegar concreto
contraponto de partida

quinta-feira, 16 de junho de 2011

vontade de sorrir - rio
vontade de chorar - deságuo
comungo ciclos atemporais
em gestos luminosos
pulso
vibro
vivo
músculos distendidos
opero rodopios
círculos invisíveis
não suporto apatia

pedra respira líquens e musgos
aço calor adrenalina

sábado, 7 de maio de 2011

o dia passa rápido sob o céu azul que cintila
carros correm mais aos olhos da janela
no sussuro
à distância
escuto boca lábios carmim
mulher menina vizinha
reconheço os habitantes da cidade
navegadores perdidos e náufragos
partilham caminhos

ao deitar da tarde
no ruído de vento
tudo deságua no mar
onde ainda habitam velhos marinheiros
onde serenam peixes homens e amantes

o mundo é cheio e o silêncio fala o bastante